terça-feira, fevereiro 05, 2008

Entrevista concedida ao Blog Nove Letras de Rose Peixer em 14/01/08.

Rose Peixer - Hoje em dia o Google passou a ser a grande fonte de informação para muita gente. É só pesquisar e esperar pelos resultados. Ninguém discute muito se o que aparece ali está certo ou errado. O seu nome, Guilherme Isnard, aparece na enciclopédia livre Wikipédia. As informações que estão ali são confiáveis? Descrevem bem sua trajetória?

G. I. - O perigo da informação sem confirmação existe não só na rede como em qualquer tipo de mídia, o agravante na internet é a velocidade da viagem da informação, o estrago pode ser grande se a intenção for má. Na Wikipédia os textos são meus e fidedignos e eles lá são tão conscienciosos a respeito da autenticidade das informações que o meu verbete está suspenso porque eles não acreditam que fui eu que escrevi, é mole?

Rose Peixer - A banda Zerø foi de certa forma o ponto de partida para a sua carreira musical nos anos 80. Na época a crítica costumava chamar vocês de “românticos exagerados”. Isso incomodava ou vocês gostavam de assumir todo esse romantismo? Qual a relação da banda hoje, mais de 20 anos depois, com a crítica?

G. I. - O ZERØ foi o início da minha carreira de compositor, eu cantava em outra banda antes. O Romantismo estava sim presente nas canções, mas não era só disso que se tratava. O papel do crítico é sempre o de encher o saco de quem produz, dá a ele a impressão de que isso é trabalho. É sempre muito mais fácil criticar o que alguém trabalhou pra construir do que construir alguma coisa. A nossa relação de hoje é a mesma de sempre: Nós produzimos porque somos artistas criativos, corajosos e empreendedores e eles criticam porque não tem nada de mais construtivo pra fazer.

Rose Peixer - Na sua opinião a crítica em 20 linhas pode prejudicar ou destruir um trabalho de 20 anos?

G. I. - Claro que não, a crítica não serve pra nada, não tem poder algum, simplesmente por que ela não tem nenhuma originalidade, só existe a partir do que alguém criou. É apenas a expressão egóica de uma opinião. Quem gosta de determinada coisa vai concordar com o crítico se ele escreve positivamente sobre aquilo, quem não gosta vai se posicionar contra o que ele escreveu. Ou seja, pra quem produz, pra quem aprecia ou pra quem detesta, a opinião do crítico não muda nada. Pode no máximo prejudicar o conceito de algo para os que desconhecem aquele objeto da crítica, mas eu sempre prefiro acreditar que as pessoas preferem ter uma opinião própria sobre as coisas e, caso elas aceitem como verdade absoluta o que outro escreveu sobre o que elas nunca viram/ouviram, certamente não seriam o tipo de fãs que alguém gostaria de ter.

Rose Peixer - Você ficou 5 anos longe dos palcos. Neste período a música fez muita falta na sua vida? O retorno aos shows foi difícil?

G. I. - Por razões extra-musicais fiquei esse tempo todo longe dos palcos, mas não da música. Não parei, por exemplo, de compor. Foi um momento importante que me esclareceu assuntos vitais. Eu descobri que poderia beber de mil fontes diferentes de sobrevivência, mas ao mesmo tempo, realizei que apenas encontrei mil maneiras de ser infeliz. Afastar-me me deu a certeza do que eu preciso pra me sentir realizado. Voltar a cantar foi a conseqüência natural dessa revelação.

Rose Peixer - No Brasil o povo gosta muito de ouvir música, mas não gosta muito de ler. Você se preocupa com isso, por exemplo, quando está compondo? Qual o perfil do público que hoje compra CD e vai aos shows do Zerø?

G. I. - Um dia eu recebi um depoimento no Orkut de um fã dizendo que a música mais importante da vida dele era Quimeras e que ele foi ao dicionário procurar o significado da palavra porque na época não sabia o que eu queria dizer. Parece pouco, mas é muito. Se o meu trabalho serve para aumentar em uma palavra o vocabulário de alguém a minha missão já se cumpriu, se além disso, desperta em alguém uma percepção diferente da vida, das pessoas, dos sentimentos é um hiper-bônus. Eu tenho a pretensão de escrever canções que transformem as pessoas, porque as pessoas são capazes de transformar a realidade. E é de um choque reformista que esse planeta precisa.

Rose Peixer - Que tipo de influência a música pode exercer sobre a vida das pessoas? Você acha que letras de músicas socialmente conscientes podem realmente mudar alguma coisa?

G. I. - Oops! Parece que respondi duas em uma. Vide resposta anterior.

Rose Peixer - “Enquanto viver, nunca terei lido livros em quantidade suficiente. Sou uma espécie de viciado em livros”. A frase é do cantor Sting (ex-Police), que disse uma vez que recebia muitas cartas de jovens dizendo que leram tal livro porque escutaram ele falando sobre o autor. Qual a importância dos livros na sua vida, Guilherme? Você passou mesmo o ensino fundamental refugiado em bibliotecas? O que você lia e o que gosta de ler hoje?

G. I. - Eu era um guri muito velho, dizem que o geminiano sofre de velhice precoce e depois padece de infantilismo tardio, parece que aqui se aplica. Nas escolas (passei por muitas) eu sempre desprezava a obtusidade dos meus colegas de série e buscava a companhia dos mais velhos que obviamente me desprezavam pela diferença de idade. Um perfeito desajustado se é que isso existe. Impossibilitado de interagir com as pessoas, encontrei na fantasia um universo inesgotável de situações, personagens e possibilidades. Se um sabugo de milho e uma boneca de pano podiam falar, qualquer coisa era possível. Os livros me deram o que falta a essa geração imediatista, a habilidade de imaginar o inimaginável. Hoje, o jovem plugado 24h por dia confunde informação com conhecimento e esse é um cacoete redutor de horizontes. Eu não lia por autores ou assunto, lia por prateleiras, ler era o meu refúgio. Hoje continuo lendo de tudo, de guias de usuário (detesto tecnologia subutilizada) a bulas de remédios, mas leio principalmente sobre ciência e, atualmente, estou mergulhado em manuais de paternidade.

Rose Peixer - No texto “Pelo ser comum” você chama a atenção para a eterna insatisfação do ser humano com a própria aparência. Num trecho você pergunta: “Qual a prescrição médica que assegura uma simpatia cativante? Qual pronto-socorro psíquico vende, ainda que no câmbio negro, brilho intelectual e autoconfiança?” Você acha que hoje as pessoas já conseguem ser mais autênticas ou ainda se escondem atrás de máscaras?

G. I. - Os universos de relacionamentos virtuais, a despeito do que se crê costumeiramente, proporcionam um “ambiente” inédito para a livre expressão do verdadeiro eu. Protegidas pelo “anonimato” e na segurança do lar, homens e mulheres podem experimentar as delícias de exporem-se sem disfarces. No mundo real a máscara ainda é a ferramenta principal do cinto-de-utilidades de sobrevivência urbana. As pessoas julgam tudo e todos e ninguém quer dar a cara a tapa.

Não se esconda atrás de mascaras
Pra tentar se proteger
As verdadeiras intenções
Todos sempre vão saber

Eu posso ler seus pensamentos
No brilho do seu olhar
Os olhos falam e eu escuto
Nem tente me enganar

As estórias que eles contam
Eu nem podia imaginar
Todo o fogo e a luxúria
Que você tenta disfarçar
E não consegue mais esconder

Mas é fácil compreender
Que motivos você tem
É melhor não se arriscar
Que se iludir com alguém

Mas você não se basta não
E o que eu posso aconselhar
É finja enquanto conseguir
Pois seu dia vai chegar

Quando os corações se encontram
E os olhos falam sem pensar
Suas mascaras desmontam
Te deixam livre para amar
E só você não consegue ver

Eu escrevi essa canção “Os Olhos Falam” em 84 e agora soube que ela abre um dos capítulos do livro sobre o “Madame Satã”. Ela lembra que não há máscara que resista ao interlocutor verdadeiramente interessado. Quando realmente desejamos, somos capazes de enxergar o invisível e o véu se desfaz.


Rose Peixer - Enquanto muita gente critica a frieza das relações pela Internet, você em outro texto diz que no mundo virtual “as pessoas encontram afinidades, simpatizam e se apaixonam por conteúdos, em contraponto a uma realidade em que as relações são promovidas e pautadas pelas aparências”. Você hoje vê a Internet com um olhar de aprovação ou de reprovação?

G. I. - Oops! I did it again! Duas respostas em uma, ver resposta anterior.
Total aprovação, desde que observadas todas as salvaguardas de segurança necessárias também no mundo real.


Rose Peixer - A Internet facilita, por exemplo, o trabalho de divulgação dos artistas e bandas que disputam espaço no mercado?

G. I. - É claro! O Orkut, o Multiply, o YouTube e o Myspace são a minha TV Globo. Com a diferença de que ali eu falo pessoalmente, corpo-a-corpo, com a minha “audiência”.

Rose Peixer - “Quem vive mente mesmo sem querer” diz a letra de “Agora eu sei”, a música que todo mundo já ouviu pelo menos uma vez na vida. “Pra que chorar se o verdadeiro amor pode ser o próximo?”, diz outra música do Zerø. É mais fácil escrever sobre o amor ou cantar o amor?

G. I. - O amor, ou mais comumente a falta dele, é o pano de fundo das principais questões que afligem a humanidade. O nome “Quinto Elemento” não foi escolhido aleatoriamente pra batizar nosso novo CD essa é a força mais poderosa da natureza e, portanto, intimidadora. Eu não falo apenas do amor romântico entre um homem e uma mulher, mas posso usar esse tipo de relação pra discorrer sobre o amor incondicional que é a verdadeira fonte da libertação. Escrever e cantar com propriedade sobre um assunto tão complexo quanto fascinante é além de muito difícil, extremamente recompensador. Me proporciona a sensação de dever “em cumprimento”.

Rose Peixer - De zero a dez uma nota para: (pode justificar se quiser)
- a música dos anos 80?

G. I. - Nota 1000! Mas não existe isso de música dos anos 80. Isso é simplificação da mídia. É redutor da importância do movimento. Equivale a dizer que na Inglaterra só existem os Anos 60 e que nos EUA só existem os anos 70. Na Inglaterra dos anos 60 se fez o melhor rock da Inglaterra, o mesmo aconteceu nos Estados Unidos nos anos 70. Na década de 80 foi quando a bomba estourou no Brasil e pronto. Não existe música anos 80, existe rock brasileiro e ele alcançou seu estado de excelência na referida década e isso é tudo. Dizer que determinado artista/banda ou determinado som é “anos 80” quer na verdade dizer que fulano faz rock brasileiro, com muito orgulho.

Rose Peixer - a música de hoje?

G. I. - Se eu for dar nota pra isso vou cair na armadilha da crítica. Eu me sinto mais a vontade na condição de telhado do que na de pedra, mas posso transcrever o meu manifesto do Orkut.

Quem diria que menos de 25 anos depois, encontraríamos o roque brasileiro nesse estado. A mídia diz que no mundo inteiro ainda bomba (bombar=bombear, estar vivo, pulsante), mas que aqui feneceu. Eu discordo.
O que morreu não foi o roque, foi o interesse da mídia nacional na opinião da juventude. É clássico.
Uma hora interessa ouvir o jovem porque o jovem é um potencial consumidor e respeita-se a sua voz, sua atitude, suas propostas e sua “revolução” cultural.
Na hora seguinte um consumidor consciente e evoluído é uma ameaça à indústria do consumo e tudo o que permitiu ou facilitou o alcance desses estados de consciência, alerta e prontidão lhes é negado.
Ou é possível acreditar que, de um momento pro outro (certo, um momento de duas décadas), o que nasceu diverso e plural virou esse tatibitate monocórdico e sentimentalóide de um bando de bandas de nomes diferentes e conteúdos iguais?
Foi pra isso que a geração da qual orgulhosamente faço parte criou um roquenrou brasileiro, em língua portuguesa, tratando das mazelas intrínsecas da juventude nacional? Claro que não.
Nós (artistas, público) não emburrecemos nem baixamos os níveis de exigência, mas eles (a “indústria cultural”) acreditam saber o que é bom para todos e se decidiram por uma juventude colorida, de aparência fusion-retrô e discurso vazio. Garotos bonitinhos e bonzinhos com roupas rasgadas e pinta de malvados. I N O F E N S I V O S.
Decidiram também que todos eles deveriam gostar de duas ou três bandas americanas de aparência rebelde e som pasteurizado. E é só isso (com raras e prestigiadas exceções) o que se ouve por aí. Ou seja, tudo como sempre foi. Não me espanta.
É a ordem natural das coisas: as manchetes, luzes e o palco principal pros bonecos, enquanto o verdadeiro roque continua nas margens, becos e sombras. Pra lembrar a existência das dúvidas e angústias, dos desgostos e das frustrações. Expressando uma melancolia e inconformismo que estão além daquela de se perder (sem desmerecer essa dor) a primeira namorada.
O roque é uma força de contestação contracultural por natureza. Um megafone na incerteza. Vamos de encontro ao que é e está. Não somos gatos de armazém. Não devemos nos habituar ao conforto e ao estabelecido. Somos pedras rolando, raios caindo, sangria desatada, incomodo e desajuste.
O rock já nasce temporão, com 14, 15 anos e vive uma glória curta dos 25 aos 30. Entre os 40, 50 tem poucas escolhas:
1) Vai para a reserva honrosa como ex-combatente;
2) Vai inchar em Las Vegas ou outra deselegante decadência;
3) Ou permanece na resistência.
Meu roque é desses últimos aí.
Cinqüentenário e resistente.
Yeah!


Rose Peixer - Daqui do Brasil ou do mundo, qual a música que não sai da sua cabeça e que você gosta de ouvir?

G. I. - Tenho escutado os franceses Zazie e Arthur H, os suecos do Eskobar, os australianos do Jet e os americanos do The Raconteurs. Além de muita canção de ninar.

Rose Peixer - Música, shows, barulho e silêncio. Você gosta do silêncio, Guilherme?

G. I. - Ta lá no Orkut também e é fato: “...continuo dedicado ao silêncio, sempre que posso.”