quarta-feira, outubro 20, 2004

Marcelo Dolabela entrevista Guilherme Isnard

Concedi essa entrevista ao jornalista Marcelo Dolabela de BHZ alguns dias antes do nosso último show. Infelizmente o editor acabou cortando essa parte da excelente matéria.
Já que temos esse canal de mídia alternativa espero que o Marcelo não se incomode de vê-la publicada aqui.

Aparentemente, principalmente para a mídia, o Zero é uma "banda de um hit só" - "Agora eu sei" . Quem conhece a banda sabe que isso não é verdade. E o álbum "Electro acústico" está aí para provar o contrário. Como você convive com esse paradoxo?

Muito bem, melhor ser lembrado por um sucesso que por nenhum, hehehe... Na verdade tivemos 4 músicas com execução massiva – e esse é um dado importante – em todo país: “Agora Eu Sei” e “Formosa” do primeiro LP, “Quimeras” e a “Luta e o Prazer” (em que tenho a honra da parceria com Ronaldo Bastos) do segundo. Com esta última, gravamos inclusive um “Globo de Ouro”, em segundo lugar de execução nacional, à época da aferição pelo IBOPE, portanto mais um inegável hit. Mas é incontestável que “Agora Eu Sei”, por conta da explosão do RPM, é a que ficou marcada como nosso grande sucesso e por isso freqüenta os playlists das FMs até hoje. Eu acho que, como você aponta, essa é mais uma postura da mídia mesmo, pela necessidade de categorizar, o que não nos incomoda porque o que realmente importa pra gente é a percepção dos fãs e esses sabem bem quem e o que somos.

Ao contrário das outras grandes bandas paulistanas (Ira!, Titãs e Ultraje A Rigor) que se lançaram na WEA, o Zero se lançou na CBS e se estabeleceu na EMI-Odeon, o que essa opção moldou a sonoridade e a trajetória do grupo?

Nós tivemos a sorte, nas duas companhias, de nunca termos passado por nenhum tipo de controle da nossa criação, nem na composição, nem na gravação dos álbuns, ou seja, não fomos “moldados” pela indústria, acho mesmo que ninguém daquela geração foi, as gravadoras não sabiam o que fazer com a enxurrada de talentos que surgiam e se mantiveram passivos, sem interferir no direcionamento das carreiras. Sábia decisão. Isso hoje em dia mudou muito.
A história é que o ZERØ ganhou uma participação num “Pau de Sebo” da Deck Discos - “Os Intocáveis” - através de um concurso da rádio Cidade FM de SP. Desse álbum duas bandas foram contratadas pela CBS (atual Sony) e como ao final de um ano não havíamos conseguido a projeção que esperávamos, aceitamos o convite do visionário Jorge Davidson e mudamos de mala e cuia pra EMI.

Na ocasião do lançamento do álbum "Passos no escuro", em 1985, você avisava que trabalhamos em sintonia com grupos como o Simple Minds, mas temos mais valor porque aqui as dificuldades são maiores", a sua visão da cena pop-rock no Brasil continua da mesma forma?

Mudou muito. Hoje a realidade é totalmente diferente. Naquela época a importação de instrumentos era proibida, ainda estávamos sob a ditadura, não existia uma infra-estrutura de apoio para shows de rock. Hoje em dia é bem mais fácil. Quem começa a tocar já principia com bons equipamentos, tem bons lugares pra tocar com som e luz, etc. Eu ilustro: Uma vez nós chegamos numa cidade do interior (1985) e o nosso produtor perguntou onde estava a mesa de som, pois haviam garantido a existência de uma. O contratante apontou orgulhoso um rack pra colocar aparelhos de som no canto do palco e perguntou se aquela “mesa de som” estava boa.Mas ainda continuo achando que qualquer coisa que façamos aqui tem mais valor do que o que se conquista lá fora. Eles continuam tendo muito mais grana, reconhecimento, condição, preparo, apoio, formação, espaço, mídia especializada, etc. O brasileiro é sempre um herói, em tudo o que se propuser a fazer.

Durante o lançamento segundo álbum "Carne humana", em 1987, você fazia uma nova profissão de fé, dizendo: "na primeira formação do Zero, nós não tínhamos nenhuma preocupação em sermos populares. O nosso aceite era o que bastava. Hoje, a nossa preocupação é a de fazer um trabalho popular acessível, mas sem concessões e honesto, original", esse ainda é o projeto do grupo?

Faz tanto tempo, eu não me lembro de ter dito algo assim, mas pela extensão e profundidade da sua pesquisa sou obrigado a acreditar. Eu possivelmente me referia ao fato de que na primeira formação o som era mais pesado, quase punk, e na segunda – neo-romântica – mais melodioso e conseqüentemente mais palatável para as grandes audiências. Hoje, e aí sim existe um paradoxo, estamos mais próximos da proposta original, o som está bem mais pesado, mais rock, mais cru. A atual formação é básica: Jorge Pescara no baixo, Yan França na guitarra e Luiz Bertoni na bateria. Sem adereços eletrônicos, playbacks, MDs ou DJs. A proposta ainda é a mesma: Originalidade e honestidade, sem concessões. Eu gosto de acreditar que posso fazer alguma diferença com o que escrevo. Minhas letras sempre tem mais do que uma leitura e eu espero que em alguma delas o ouvinte alcance um novo patamar perceptivo.

No Zero, a assinatura das canções é coletiva. Afinal, qual o processo de criação do grupo?

As letras são sempre minhas, fico pouco à vontade pra interpretar verdades alheias, a não ser quando me identifico profundamente. Componho também as melodias que dão suporte as letras, elas nascem concomitantemente. O que a banda faz coletivamente são os arranjos e eu também faço parte da banda.

Você integrou um dos grupos mais radicais e experimentais do pós-punk brasileiro, o Voluntários da Pátria, como foi esse período?

Muito interessante, foi o meu primeiro contato com o mundo musical e pude aprender valiosas lições que me foram úteis na formação do ZERØ. Cometi erros que não voltei a repetir. Na verdade essa experiência foi que me levou a começar a compor e fundar uma banda. No Voluntários eu fiz uma audição e fui aprovado para ser o cantor de um repertório que já existia, mas com o qual não me identificava. A banda apontava e discutia questões pertinentes ao estado de exceção em que vivíamos, mas com um enfoque socialista e panfletário que eu achava incongruente com a condição sóciocultural dos integrantes – todos pequeno-burgueses – em oposição às bandas punks do subúrbio, essas sim com a legitimidade que eu julgava necessária pra falar do assunto.

Em meados da década de 1990, você teve uma experiência solo, tendo, por base, um repertório de música brasileira. Houve algum registro dessa fase? Por que essa guinada de estilo?

A primeira coisa que eu quis fazer foi colocar os meus recursos vocais a serviço de outros repertórios, até mesmo pra me experimentar como cantor.Existem registros oficiosos dessa fase e o mais importante foi que me descobri um bom e pródigo compositor de sambas-canção.

Ezra Pound diz que cada artista deve organizar suas influências para que o público possa localizar, o mais rápido possível, a história e a parte viva desse artista. Quais são as principais influências do Zero e de Guilherme Isnard?

Bom... Eu mesmo tive surpresas nesse quesito. Acreditava que a base da minha influência era a minha formação musical da adolescência, o rock progressivo Inglês e, mais tarde um pouco, o punk rock e a new wave anglo-americana. Mas quando fui estudar o repertório do Miltinho (cantor famoso dos anos 50/60, com quem me apresentei no SESC Pompéia no meu show de despedida de São Paulo) me dei conta de que, inconscientemente, trazia comigo influências do que os meus pais ouviam quando eu era garoto e isso inclui da música clássica à chanson française, passando pelo bom samba de teleco-teco.

O Zero, até agora, é uma banda autoral. Isto é, trabalha basicamente com repertório próprio. Se o grupo fizesse algum "cover" de qual canção seria e por quê?

O ZERØ é uma banda autoral porque eu acredito que você só deve fundar um grupo de rock se tiver algo a dizer. O que não nos impede de encontrar em outras canções o que gostaríamos de dizer. Temos vários covers clássicos no nosso repertório, canções de Renato Russo, Nando Reis, etc. Preparamos um especialmente para esse espetáculo em BH, mas manterei em suspense até o dia do show. Adianto que é uma homenagem ao fantástico álbum “Clube da Esquina” de 1972.

Nenhum comentário: