terça-feira, janeiro 17, 2006

RX de uma canção - A CULPA NÃO É DO AMOR

Vou iniciar o meu exercício de strip-tease autoral com “A Culpa Não É Do Amor” (Clique no título do post para ouvir uma versão ao vivo!) uma das prováveis faixas de trabalho do nosso novo CD “Quinto Elemento”.
Essa canção tem uma bela história. É a primeira composição a unir dois amigos de tantos anos em uma parceria que já tardava. Quem acompanha esse blog deve lembrar que eu fiquei tão feliz e entusiasmado na época em que ela ficou pronta que postei o elogio ao fato e a letra da canção quase imediatamente, mas apaguei em seguida por questões autorais (a música ainda não fora editada).
Jorge Pescara chegou no ZERØ em 1999 de forma inusitada, mas não inusual, foi indicado por um outro músico, que em sua meteórica passagem pela banda trouxe esse baixista - fã incondicional do ZERØ - pra nova formação e pro meu círculo de amizades. Faz sete anos que estamos juntos nesse time, um fiel e leal escudeiro. Um presente dourado e duradouro, valeu Manny!
Várias bolas na trave e gols depois, ele me aparece em um dia de ensaio com a idéia que originou essa pérola. Imaginem a situação: o cara ali, participando o tempo todo dos arranjos, dando palpites estéticos e melódicos (em uma banda de verdade a canção só está pronta depois de escrutinada, lapidada e arranjada em cada um dos seus detalhes e essa é uma atividade do conjunto, democrática - well ok... relativamente democrática), sendo uma peça fundamental no processo criativo, mas ainda sem ter gerado um filho próprio, só ajudando a vestir, pentear e perfumar filhotes alheios - e isso não é pouca coisa não.
Quando Pescara apresentou a linha de baixo da sua composição (foi assim que ela surgiu, acompanhada de uma bela progressão harmônica pra guitarra do Yan, que infelizmente sumiu na versão final da música), eu senti a responsabilidade de encontrar palavras de profundo sentido e uma melodia especial praquela canção.
A letra nasceu fácil e naturalmente, acompanhando meu balbucio melódico já na primeira tentativa estrutural. Eu escolhi como tema a antítese da letra de “Eu Matei o Amor” do meu irmão Marcelo “Uns & Outros” Hayena que ouvira na noite anterior. A tese dele é: morto o amor, não existe mais a dor e o sofrimento. E criou um vingador, assassino do amor, para a redenção dos corações partidos.
Eu adorei a canção, mas não consegui aceitar o mote e escrevi “A Culpa Não É Do Amor” porque ninguém é obrigado a sofrer. Você e o seu livre arbítrio é que determinam se vai aprender a lição pela dor ou pelo amor, mas a maioria dos humanos escolhe o aprendizado pela dor, talvez porque através dela as lições sejam mais profundas e duradouras, vai saber. A minha luta é a do aprendizado amoroso e é isso que legitima e fundamenta essa canção.
Não é a primeira nem a última vez que eu digo aqui e alhures que só consigo cantar verdades, portanto as minhas letras contém muitos elementos auto-biográficos. Em “A Culpa Não É Do Amor” eu narro as minhas visões do caminho pela “longa” estrada da vida e os ciclos que por vezes nos aprisionam. Concluo com um refrão que explica que o amor é um portal, mas é você quem escolhe trilhar esse caminho ou construir sua própria armadilha.
Essa canção, como suas irmãs do CD “Quinto Elemento”, recebeu o “toque” do genial camarada e produtor Nilo Romero. Sua astuta e afiada tesoura capou não só a progressão harmônica da guitarra (objetivando, com sucesso, realçar o pulso rítmico - a função da guitarra aqui, com exceção de alguns riffs melódicos e do solo, é essencialmente percussiva), como amputou com propriedade e precisão cirúrgica alguns dos meus versos inteiros. O principal deles dizia hermeticamente:
“O medo é o antônimo
Não o ódio que eu pensava
Ser nêmesis sincrônico
De tudo o que eu amava”
Porque eu sentia necessidade de explicar que o ANTÔNIMO do AMOR é o MEDO e NÃO o ÓDIO como quase todos pensam. O ódio é só uma extremidade polar do mesmo sentimento, o amor em sua máxima expressão negativa. O Medo e a Culpa (sua forma sofisticada), é que são opostos ao amor. Pressupõe a falta de fé e a descrença no amor incondicional quando Deus só se manifesta no imponderável. Isso dá lugar a uma sensação de abandono e solidão existencial que nos paralisa impedindo ou retardando o desenvolvimento. Sim eu sei, estamos todos sós, mas não por estarmos separados, estamos todos sós por não aceitarmos sermos o mesmo, sermos um.
E qual o catalisador desse amálgama? O “Quinto Elemento”. O amor incondicional em sua forma pura. Olhar para o outro e não enxergar suas qualidades e “outros” defeitos e sim seus próprios defeitos e qualidades, reconhecê-los e apropriá-los. Julgar suas ações e não as alheias, ou melhor, NÃO JULGAR! Essa é uma atribuição divina em um plano muito mais elevado.
É muita informação pras quatro linhas de um verso, é esperar demais do poder de uma canção da qual as pessoas, como bem observou Ira Gershwin, no máximo vão lembrar do refrão. Então chega de papo e vamos a ela:
A CULPA NÃO É DO AMOR
© 2006 - Jorge Pescara & Guilherme Isnard (BMG Publishing)

Ao longo do caminho
Passam cenas que eu já vi
Nas pessoas repetidas
Nas histórias que eu ouvi

Mas não sou prisioneiro
Condenado ao déjà vu
Eu me lanço ao mundo inteiro
Com a mente e o corpo nu

Alegria é quem me ensina
Ironia é mau humor
Não se aprende só sofrendo
Não é necessária a dor

Eu só sei que eu não sei de nada
Mas a culpa não é do amor
Ele é só a porta de entrada
Pra onde você for

Eu só sei que eu não sei de nada
Mas a culpa não é do amor
Ele é só a porta de entrada
A culpa não é do amor

Viva o belo nos momentos
Não se apegue ao que passou
Plante nobres sentimentos
E colha os frutos que plantou

Eu só sei que eu não sei de nada
Mas a culpa não é do amor
Ele é só a porta de entrada
Pra onde você for

Eu só sei que eu não sei de nada
Mas a culpa não é do amor
Ele é só a porta de entrada
A culpa não é do amor

Não é do Amor
Não é do amor
Não é do amor
A culpa não é do amor

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