quarta-feira, janeiro 18, 2006

RX de uma canção - NEM TÃO LONGE, NEM TÃO PERTO

“Nem Tão Longe, Nem Tão Perto” aconteceu de uma vez na minha cabeça (Clique no título do post para ouvir uma versão ao vivo!).
Mediunicamente falando, eu “ouvi” uma seqüência harmônica e uma melodia e fui andando cantarolando pela praça do Jóquei, até chegar na casa do meu parceiro Fred Nascimento (do Tantra e do Capital Inicial), quando ainda nos encontrávamos rotineiramente para compor, nos idos de 1993. Essa feliz e produtiva parceria rendeu frutos como “Mentiras” do CD “ZERØ Electro Acústico” e “Centúrias” que também estará no “Quinto Elemento”, entre muitos outros.
Voltando a canção, da forma como ela surgiu, hibernou. Ou porque outras canções sempre ganhavam a frente na agenda de trabalho, ou mais provavelmente porque como eu não toco nenhum instrumento harmônico (piano ou violão), ela nunca foi arranjada.
Quando terminamos a primeira fase de gravações, o nosso produtor Nilo Romero estava cismado que tínhamos que fazer alguma regravação, alguma releitura de algum sucesso do passado. Não que eu fosse refratário a idéia, mas eu não tinha nada em mente e não queria gravar uma canção por gravar. Se eu tivesse algum desejo reprimido de cantar essa ou aquela canção seria mais fácil, se existisse uma música que eu sempre sonhara gravar seria tranqüilo, mas o problema seria começar naquele momento a pesquisar um remake. Eu até tentei e numa dessas audições de coisas antigas com o Yan França eu lembrei da música esquecida. Cantarolei um trecho e pedi pra ele me ajudar com uma base harmônica. Pronto! Encontramos nossa nova canção.
Abre parênteses e lava a roupa – O Yan posteriormente, por conta de ter me ajudado a arranjar a música, reivindicou sua participação autoral. Tecnicamente uma canção é dividida entre melodia e letra, ambas minhas. A harmonia que foi a colaboração inestimável do amigo, parceiro e guitarrista é considerada arranjo e arranjo não é autoria, porque uma mesma canção pode ter dezenas de arranjos e harmonias diferentes dependendo de quem a interpreta. Eu normalmente não faço questão dessas tecnicidades, não sou muquirana com parcerias, mas essa música passou os últimos doze anos zumbindo na minha cabeça, acho que foi um justo egoísmo. Além do que, como vocês verão, o Yan tem várias lindas composições no “Quinto Elemento”. – Roupa limpa, fecha parênteses!
Mostramos “Nem Tão Longe, Nem Tão Perto” com o título provisório de “Tapete Voador” e com a letra ainda cheia de mofo pro produtor e ele adorou. Daí eu arregacei as mangas e comecei a espanar tudo o que sobrava ou soava mal até chegar na versão final, mas o Nilo implicou com uns versos depois da música gravada.
“Como só eu sei fazer
No sorriso em seu olhar
Só Narciso pode ver
Quanto eu amo te encontrar"
Esse primeiro, coitado, foi totalmente defenestrado do arranjo, o trecho da melodia que o continha calou, mas eu gostava do jogo de espelhos sugerido pela figura de Narciso e da imagem poética de um olhar que sorri. Já era!
"Te cuidar e proteger
Colorir sua manhã
Ver o dia anoitecer
Dar um beijo de Rodin”
Esse ficou, mas foi modificado. De nada adiantaram meus protestos e argumentações, fui instado a reescrever e regravar a voz, mas como sempre, o atento produtor tinha razão. “Beijo de Rodin” além da confusa cognição auditiva (grafa-se Rodin, mas pronuncia-se Rodam), é uma imagem elitista. Não é todo mundo que conhece a escultura, quando muito lembram de “O Pensador” que é mais pop. Mesmo conhecendo o “O Beijo” talvez tivessem dificuldade em entender uma referência implícita ao beijo de amparo, conforto, segurança e entrega apaixonada, explícitos na imagem.
Não me entendam mal, isso não é subestimar a percepção dos nossos fãs, é a procura da perfeição da expressão, que nesse caso foi a conclusão de que “beijo de hortelã” embora aparentemente oco de sentidos ocultos era uma boa opção poética para representar o frescor desejado, e assim ficou. Eu disse “aparentemente” porque se você notar que é uma citação de “Cotidiano” do Chico Buarque, quando ele diz:
"Todo dia ela faz tudo sempre igual
Me sacode às seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã"
Vai perceber que muito sobre o amparo, conforto, segurança e entrega, estão ali contidos. Leiam/ouçam a canção de Chico, ajuda a entender.
O fato é que com essa ligeira adaptação na letra, boas idéias para um riff de baixo em overdub e um ritmo acelerado imposto pela bateria de Vitor Vidaut, “Nem Tão Longe, Nem Tão Perto” disparou na preferência da banda e do produtor, que a considera a mais “direta” das novas canções.
Essa é uma letra que fala da certeza de que todos nós temos uma alma gêmea, uma cara metade, um porto seguro em algum lugar do tempo/espaço. Aponta que é necessário evoluirmos com foco e objetivo na direção desse encontro e aposta que o outro provavelmente também está procurando quem receba e mereça o seu amor. Venha de onde vier. De um passado de fantasia romântica representado por um tapete voador, ou de disco-voador em um futuro próximo, o que importa é a certeza da sua chegada. Assim como diz a canção:
NEM TÃO LONGE, NEM TÃO PERTO
© 2006 - Guilherme Isnard (BMG Publishing)

Se um dia eu chegar
No lugar que eu quero
Não preciso lembrar
Que é lá que eu te espero

E você vem
Num tapete voador
Procurando por alguém
Que aceite o seu amor
Que mereça o seu afeto

Nem tão tosco, nem tão certo
Nem tão raro, nem deserto
Nem tão longe, nem tão perto
Como só eu sei fazer
Só eu sei fazer

Se você duvidar
Meu afeto é sincero
Pode o tempo passar
Que eu não desespero

E você vem
No seu disco voador
Procurando por alguém
Que aceite o seu amor
Que mereça o seu afeto

Nem tão tosco, nem tão certo
Nem tão raro, nem deserto
Nem tão longe, nem tão perto
Como só eu sei fazer

Dar um beijo de hortelã
Te cuidar e proteger
Colorir sua manhã

Nem tão tosco, nem tão certo
Nem tão raro, nem deserto
Nem tão longe, nem tão perto
Nem tão tosco, nem tão certo
Nem tão raro, nem deserto
Como só eu sei fazer

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